Os desafios da recuperação judicial

Quando a Justiça do Trabalho pode ou não agir contra empresas em recuperação?

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Os desafios do empresário que se socorre à recuperação judicial, em um país que enfrenta os efeitos de uma longa crise econômica, não se restringem às dificuldades econômicas e financeiras já esperadas por quem se utiliza da medida.

Além de bem estruturar sua estratégia de recuperação, o empresário também deve estar preparado para suportar a insegurança jurídica gerada pela instabilidade das instituições do país, seja pelas constantes alterações das Leis, seja pela diversidade de posicionamentos dentro do próprio Judiciário – muitas vezes em clara afronta à Lei 11.101 e seus princípios norteadores.

A instabilidade jurídica ganha máximo relevo nos pontos em que há interseção com outros ramos do Direito, notadamente o Direito do Trabalho. Uma vez que a recuperação judicial é medida que estabelece um concurso de credores, o processo põe o devedor diante de centenas ou milhares de credores, aí se incluindo ex-empregados que tiveram seus créditos reconhecidos pela Justiça do Trabalho.

E neste ponto, não raras vezes, no afã de dar efetividade às suas decisões, Juízes trabalhistas implementam medidas prejudiciais ao reerguimento da devedora e, consequentemente, à coletividade dos credores – onde se insere o próprio credor trabalhista pretensamente protegido no processo individual.

A pretexto de beneficiar o credor hipossuficiente, em muitos casos o Judiciário termina por prejudicar um sem número de outros credores, inclusive que também são titulares de créditos alimentares. Exemplo disso são decisões que, não obstante determinarem a habilitação do crédito trabalhista na recuperação judicial, também ordenam a inscrição da reclamada/recuperanda no Banco Nacional dos Débitos Trabalhistas.

A ilicitude destas ordens repousa no fato de que, a teor do §2º do art. 6º da Lei 11.101, a competência da Justiça do Trabalho se esgota com a liquidação da sentença, sendo-lhe vedada a prática de atos executivos contra a reclamada em recuperação judicial.

O sentido da norma é claro: impedir que execuções individuais agridam o patrimônio da empresa em crise e fragilizem ainda mais sua saúde financeira, tão somente para satisfazer créditos individuais, em meio a um processo recuperacional que culminará com o pagamento da coletividade dos credores.

A concentração da competência no Juízo recuperacional para medidas executórias – do que erige a universalidade do Juízo –, portanto, é mecanismo de garantia do respeito ao concurso de credores, estando concretizada, por exemplo, na norma do inciso III do art. 6º da Lei 11.101, que proíbe expressamente constrição de bens da recuperanda para o pagamento de dívidas concursais.

Porém, escapou do legislador a necessária proteção à recuperanda, no que concerne a proibição da inscrição do seu nome em cadastros negativos, por conta de débito submetido à recuperação judicial. E aqui se trata, especificamente, do Banco Nacional dos Débitos Trabalhistas, mecanismo criado pela Lei 13.467, que acrescentou o art. 883-A à CLT.

Ora, se a execução trabalhista se inicia com a liquidação do crédito (art. 879 da CLT) e essa é exatamente a fase em que se encerra a competência do Juízo trabalhista para processar a demanda, nenhum ato posterior pode ser praticado pela Justiça laboral – sejam as medidas de execução direta (penhora, arresto etc – art. 880/883 da CLT), sejam as de execução indireta (protesto, inscrição da reclamada em cadastros negativos e no BNDT – art. 883-A da CLT).

Enquanto os atos de execução direta provocam comprometimento do patrimônio da recuperanda, influenciando negativamente no cumprimento das despesas empresariais, as medidas de execução indireta prejudicam o posicionamento da empresa no mercado, mais especificamente nas contratações imprescindíveis à atividade empresarial.

Decerto, o status de empresa em recuperação judicial, por si só, já atrai a pecha de má pagadora, dificultando contratações exatamente quando a empresa em crise mais necessita de crédito, insumos e novos negócios. Mas é inegável que a inscrição da recuperanda no BNDT potencializa ainda mais o receio do mercado em efetivar parcerias e contratações com empresas em processo de soerguimento.

E pior, a inscrição no BNDT não gera qualquer efetividade à sentença trabalhista, porquanto a reclamada, uma vez em recuperação judicial, não pode cumpri-la espontaneamente para satisfazer o crédito individual, sob pena de cometimento de crime falimentar. A medida, portanto, termina por sancionar inutilmente a recuperanda.

A hipótese se agrava quando a inscrição no BNDT se dá ou perdura, após a aprovação do plano de recuperação judicial, quando os débitos concursais sofrem novação, extinguindo-se as obrigações anteriores para darem lugar àquelas previstas no plano. Daí, tem-se a esdrúxula situação em que a recuperanda tem seu nome inscrito no BNDT, por ordem de uma sentença que não pode ser atendida e que estabelece obrigação que, a rigor, não mais subsiste no mundo jurídico.

O que se vê, claramente, é que a invasão da competência do Juízo universal, por Juízos singulares, é capaz de trazer inúmeras complexidades ao êxito da recuperação judicial, tendo o condão, inclusive, de precipitar a falência da empresa, prejudicando toda a coletividade de credores.

Trata-se, portanto, de importante ponto a reclamar atenção do empresário e dos profissionais envolvidos na condução da recuperação judicial, para combater decisões deste jaez e bem dimensionar o momento exato do levantamento da recuperação judicial, quando as proteções legais não mais subsistirão.

Tomás Nunes
OAB/BA 30.979
OAB/SP 434.156
OAB/RJ 253.695

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