O pedido de recuperação judicial traz desafios adicionais às empresas que contratam com o Poder Público. Em sua redação original, a Lei não dispensou as recuperandas de apresentarem certidões negativas para contratações com o Poder Público, o que gerou entraves à atuação das empresas no segmento, que não conseguiam apresentar as certidões e, consequentemente, não se habilitavam nos certames.
Ao pedir recuperação judicial, as empresas estariam impedidas de contratarem com o Poder Público, exatamente quando mais precisavam de novos negócios para viabilizar o seu reerguimento. Era a Lei de recuperação de empresas dificultando o seu próprio propósito.
O Superior Tribunal de Justiça, atento ao paradoxo criado pela Lei, consolidou jurisprudência para superar a redação da norma e dispensar as recuperandas de apresentar as referidas certidões, o que foi, anos depois, positivado pela Lei 14.112.
Entretanto, novas formas de restrição à atuação das empresas em recuperação foram sendo criadas no âmbito das licitações, ao longo do tempo.
Vem sendo comum, por exemplo, a previsão nos Editais de regras que exigem a apresentação, pelas licitantes em recuperação, de certidão que comprove a homologação e cumprimento do seu plano de recuperação judicial. Essa regra, inclusive, tem amparo na súmula 50 do Tribunal de Contas de São Paulo.
Ademais, casos há em que o Edital condiciona a habilitação da recuperanda à apresentação de certidão do Juízo recuperacional, que ateste a sua capacidade econômico-financeira para participar do certame.
Em que pese decorram da natural cautela do Poder Público de averiguar a saúde econômica e financeira da empresa com quem firmará contrato público – que formaliza a prestação de serviços essenciais à coletividade, no mais das vezes –, tais exigências devem ser ponderadas à luz da realidade do processo recuperacional, para que não se criem novos obstáculos que firam direitos das empresas em recuperação, como era o caso da exigência certidões negativas previstas no revogado art. 52, II da Lei 11.101.
Embora seja louvável que o Poder Público busque saber se a licitante está cumprindo com seu plano de recuperação – inclusive para evitar a contratação de empresa fadada à falência –, a homologação do plano e o pagamento dos credores não ocorrem imediatamente ao ajuizamento da recuperação judicial.
Em verdade, a própria Lei prevê, como norte, um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a realização da Assembleia de Credores que analisará o plano, prazo esse que comumente é prorrogado. Ou seja, enquanto não cumprido o rito que culminará na Assembleia, o que pode durar cerca de um ano, a recuperanda não terá como apresentar a comprovação da homologação e cumprimento do seu plano, o que pode lhe excluir da licitação.
Na mesma linha, é importante que o Poder Público perquira a capacidade econômica e financeira da empresa que se propõe a participar da licitação, para se certificar de que ela terá condições de cumprir um contrato público, sem que sua crise prejudique a coletividade.
Porém, exigir que o Juízo recuperacional ateste sua capacidade para participar de licitação cria embaraços às empresas e pode tumultuar o processo recuperacional. Primeiro, imagine-se a quantidade de pedidos de emissão de certidões desta natureza, num processo que naturalmente já é complexo e contém grande quantidade de atos.
Segundo, a própria competência do Juízo recuperacional para afirmar a capacidade da empresa de participar de determinada licitação, pode ser questionada.
Vale dizer, o Juízo recuperacional pode se recusar a emitir a certidão ao argumento de que não lhe cabe substituir o ente licitante na tarefa de analisar a aptidão econômica e financeira das empresas para participar do certame, por força do art. 69 da Lei 14.133.
Neste caso, restaria à recuperanda judicializar a questão para discutir a legalidade da exigência, o que não lhe garante êxito notadamente diante dos entendimentos que vem se formando em torno da matéria.
Porém, considerando que se trata de tema afeito à própria preservação da empresa – fim maior do instituto da recuperação judicial –, a competência do Juízo recuperacional para atuar em prol da recuperanda parece clara, nem que seja para determinar o afastamento da cláusula editalícia e lhe dispensar de apresentar referida certidão.
Em recente decisão proferida em recuperação judicial conduzida pelo núcleo de Direito Empresarial do escritório Turiano, Nunes e Bonelli, o Tribunal de Justiça da Bahia acatou pedido de dispensa de certidão dessa natureza, o que garantiu a participação da recuperanda em licitação deflagrada por Município do sul do país – que deve aferir as condições de habilitação da licitante.
Trata-se de importante decisão sobre matéria ainda incipiente no seio das recuperações judiciais, que deve servir de norte para casos iguais que tendem a se repetir, especialmente diante do número crescente de pedidos recuperacionais motivados pela crise econômica que assola o país.
Tomás Nunes
OAB/BA 30.979
OAB/SP 434.156